O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (10) pela condenação de Mauro Cid, principal ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), por tentativa de abolição do Estado democrático de Direito.
Com isso, formou-se maioria na Primeira Turma da Corte para condenar, por esse crime, o tenente-coronel do Exército. Ele é delator da trama golpista e, de acordo com a Procuradoria-Geral da República, integrou o núcleo central que articulou um plano para manter Bolsonaro no poder.
Fux é terceiro dos cinco integrantes da Primeira Turma a votar. Faltam ainda Cármen Lúcia e Cristiano Zanin – a expectativa é que o julgamento seja concluído até sexta-feira (12). Nesta terça-feira (9), tanto o relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, quanto Flávio Dino votaram pela condenação de Bolsonaro e outros sete réus, deixando o placar em 2 a 0.
Os acusados respondem por cinco crimes: golpe de Estado; tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito; organização criminosa armada; dano qualificado contra patrimônio da União; e deterioração de patrimônio tombado.
Em sua manifestação, Fux votou para absolver Cid por de golpe de Estado, organização criminosa armada e dano ao patrimônio:
- O ministro entende que o crime de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito absorve um outro crime pelo que os réus estão sendo julgados, o de golpe de Estado. Para Fux, golpe de Estado depende de um governo deposto, o que não aconteceu.
- Para afastar a denúncia por organização criminosa, argumentou: “Não há qualquer prova de ilusão de que o réu se uniu com mais de quatro pessoas e a unidade deste para, de forma duradoura, praticar um número indeterminado de crimes destinados à tomada de poder do Brasil”.
- Ao absolver o réu por dano ao patrimônio – que se liga aos ataques de 8 de Janeiro às sedes dos Três Poderes –, o ministro observou não ser possível determinar que bem o ex-ajudante de ordens teria danificado.
“A própria colaboração [delação] que gera uma autoincriminação involuntária e, pela fundamentação acima, eu julgo, procedente em parte, o pedido de condenação ao réu Mauro César Cid, condenando pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, porque ele praticou atos. São inimagináveis, os diálogos”, afirmou Fux, referindo-se às mensagens obtidas na investigação, que mostram Cid e auxiliares debatendo logísticas golpistas.
Moraes e Dino já votaram pela condenação de todos os réus por todos os crimes, exceto no caso do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ele não foi condenado por dano ao patrimônio nem por deterioração do patrimônio tombado.
Veja os argumentos de Fux sobre os 5 crimes analisados:
- Golpe de Estado – A PGR acusou os réus de tentarem depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído. Fux disse que golpe de Estado precisa de deposição de governo legitimamente eleito: “Não se trata de mera irresignação contra resultado eleitoral, mas também não se pode presumir responsabilidade automática de liderança política sem evidências concretas da prática do crime de golpe”.
- Abolição violenta do Estado democrático de Direito – No crime que envolve abolir o Estado de Direito restringindo os poderes constitucionais, o ministro afirmou que a distinção entre críticas políticas e efetiva tentativa de supressão de poderes deve ser clara: “É imperativo que o Estado acusador demonstre, no caso concreto, a materialidade e a conduta específica de cada indivíduo”.
- 3. Organização criminosa – Fux afastou a acusação de que Bolsonaro e seus auxiliares tenham integrado uma organização criminosa para se manter no poder. Segundo o ministro, a simples atuação coordenada de agentes públicos não configura o crime sem a comprovação de divisão de tarefas voltada à prática de ilícitos: “A simples liderança intelectual, desacompanhada de evidências concretas, não é suficiente para condenação. Mesmo havendo provas de liderança, não se presume responsabilidade automática do líder”.
- Dano qualificado ao patrimônio da União – O crime estava relacionado às depredações de 8 de janeiro de 2023. Para Fux, os atos foram cometidos por terceiros, e não há indícios de que os réus tenham ordenado ou se omitido dolosamente para permitir os ataques: “Reconhecer autoria mediata seria postura excessivamente paternalista e aniquiladora da autonomia dos criminosos que depredaram o patrimônio público”.
- Deterioração de patrimônio tombado – Assim como no caso do dano qualificado, Fux entendeu que não há prova de envolvimento direto dos réus na destruição de bens tombados durante os atos do 8 de Janeiro. O ministro reforçou que não se pode imputar responsabilidade criminal apenas pelo cargo ou posição de liderança: “Um acusado não pode ser responsabilizado por um dano provocado por terceiro”.