Presente em 100% dos municípios e em 91% dos lares brasileiros, o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) — o tradicional gás de cozinha — é essencial para o preparo de alimentos em áreas urbanas e rurais, consolidando-se como um dos pilares da matriz energética nacional. A distribuição atual segue um modelo reconhecido internacionalmente pela segurança, capilaridade e logística robusta, no qual cada botijão traz a marca em alto-relevo da empresa responsável, garantindo manutenção, requalificação e fiscalização permanentes.
Uma proposta em análise na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), porém, coloca o setor em alerta. A Análise de Impacto Regulatório (AIR) avalia propostas que permitem a qualquer distribuidora envasar botijões de outras marcas e o enchimento em pequenas instalações — inclusive em áreas urbanas — de forma fracionada, com a adoção de um sistema de rastreamento de recipientes que ainda precisará ser desenvolvido. Especialistas e representantes do mercado temem que as medidas abram espaço para fraudes, acidentes e perda de controle sobre a quantidade e a qualidade do produto.
Pelo modelo atual, cada distribuidora só pode encher e comercializar botijões de sua própria marca, o que facilita a fiscalização e a responsabilização em caso de problemas.
“O agente regulador tem o papel de propor novas regras e sugerir melhorias. Respeitamos isso e apoiamos. Porém, esta proposta de mudança regulatória do GLP não leva em consideração os impactos econômicos e sociais das medidas apresentadas. Não quantifica, por exemplo, os custos adicionais que haveria com este sistema de rastreamento e com a necessidade de maior equipe e infraestrutura de fiscalização”, afirma Sergio Bandeira de Mello, presidente do Sindigás, entidade que representa as distribuidoras.
Consumidor rejeita mudanças na regra
Um levantamento do Instituto Locomotiva, realizado em junho de 2025 com 1.500 brasileiros em todas as regiões do país, reforça a preocupação:
- 93% dos entrevistados temem comprar gás sem a garantia da marca conhecida.
- 97% consideram a marca no botijão essencial para assegurar a qualidade.
- 94% defendem a gravação em alto-relevo como garantia de procedência.
- 83% apoiam a regra atual que limita o enchimento ao detentor da marca.
“A população sabe que um botijão mal-conservado pode colocar vidas em risco. Sem a marca da empresa gravada no recipiente, fica difícil saber a origem e quem se responsabiliza. Além disso, aumenta a chance de adulteração ou de receber menos gás do que o comprado. A pesquisa mostra que o brasileiro valoriza políticas públicas que ampliem o acesso ao gás, mas sem abrir mão da segurança”, observa Renato Meirelles, presidente do Instituto.
Risco de retrocesso
Para especialistas, permitir o enchimento de botijões de forma fracionada — ou seja, sem a pré-medida de 13 quilos — pode aumentar o risco de adulterações e desvios de quantidade. Países vizinhos servem de exemplo: no México, são frequentes os casos de roubo e fraude; e no Paraguai, cerca de 80% do parque de botijões está fora do prazo de requalificação.
“Quando se afrouxam regras, abre-se espaço para negligência e até para o crime”, adverte Bandeira de Mello, que teme a saída de empresas sérias do mercado diante da insegurança regulatória.
O executivo também chama atenção para o perigo de transferir esse tipo de operação para áreas urbanas, sem a estrutura adequada de segurança. “Estamos falando de um produto inflamável. Não dá para imaginar esse processo ocorrendo perto de escolas ou supermercados. Hoje, o envase é realizado em grandes bases industriais, com infraestrutura e equipes de emergência. Improvisar seria inseguro e, no fim, até mais caro. Além de acidentes, há o risco de importar para o mercado de GLP problemas que não existem aqui, mas são comuns no setor de combustíveis — como mostrou a recente Operação Carbono Oculto. A ANP não tem estrutura ou verba suficientes para fiscalizar e coibir fraudes em todo o país”, completa.




