Em interrogatório no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (10), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) admitiu ter discutido “possibilidades” para contestar as eleições de 2022, mas, segundo ele, tudo dentro da Constituição, descartando um plano de golpe de Estado.
De acordo com Bolsonaro, foram realizadas reuniões para discutir uma possível decretação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no país. O ex-presidente afirmou que as discussões foram movidas por preocupação com a paralisação de rodovias por caminhoneiros e as manifestações em frente ao Quartel-General do Exército, ambos os movimentos encabeçados por pessoas que não aceitavam a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Bolsonaro afirmou, porém, que todas as discussões foram feitas dentro da Constituição, que havia uma grande preocupação em não ultrapassar limites jurídicos e, vendo que nada poderia ser feito, decidiram abandonar a ideia da GLO após algumas reuniões.
“Tratamos de GLO [em reuniões] porque os caminhoneiros estavam na iminência de parar… sobre o que poderia acontecer com aquela multidão em frente aos quartéis. Então, teve reunião para tratar desses assuntos. Nós estudamos possibilidades, todas dentro da Constituição”, disse.
De acordo com o presidente, as discussões começaram após o Partido Liberal (PL) peticionar questionamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a lisura das eleições e receber uma multa de R$ 22 milhões.
“Quando peticionamos sobre possíveis vulnerabilidades da eleição, não foi acolhido, e nos surpreendeu uma multa de R$ 22 milhões. Se viesse a recorrer da multa ou da petição, ela poderia ser agravada. Decidimos então encerrar com o TSE qualquer discussão sobre resultado das eleições”, afirmou.
Bolsonaro confirmou ainda que, em 7 de dezembro de 2022, foram projetados “de forma rápida” os considerandos de uma minuta de decreto em reunião com comandantes das Forças Armadas, no Palácio do Alvorada. Mas de acordo com ele, a discussão sobre o tema já “começou sem força, de modo que nada foi para frente”.
Ainda segundo o ex-presidente, “alguns levantaram” a ideia de decretar estado de sítio no Brasil. Bolsonaro não diz quem levantou tal ideia, mas defende que nenhuma ação foi tomada para cumprí-la.
O ex-presidente negou ter editado ou “enxugado” a chamada minuta do golpe e afirmou que não teve conhecimento sobre o “Plano Punhal Verde e Amarelo”, que previa o assassinato de Lula, Geraldo Alckmin e Moraes. Segundo Bolsonaro, se tivesse tido essa informação, teria “rechaçado” a ideia e “tomado providências de imediato”.
Para o ex-presidente, não havia apoio nem “clima” para avançar em uma tentativa de golpe.
Ele chegou a dizer também que os apoiadores que pediam intervenção militar após as eleições de 2022 eram “malucos”.
“Tem sempre uns malucos ali que ficam com aquela ideia de AI-5, intervenção militar. As Forças Armadas jamais iam embarcar nessa porque o pessoal estava pedindo ali, até porque não cabia isso aí e nós tocamos o barco”, disse.
Questionado sobre declarações a respeito das urnas eletrônicas, Bolsonaro manteve seu posicionamento de defesa do voto impresso e afirmou que criticar ou desconfiar do processo eleitoral é um direito democrático.
“Eu não falo a palavra ‘ataques’, me desculpe. São críticas. […] A crítica, a meu entender, está longe de ser um ataque. A imprensa adora usar a palavra ataque, quando é meu nome no balcão. Críticas, no meu entender, são bem-vindas num Estado Democrático de Direito”, afirmou.
Durante depoimento, Bolsonaro mencionou declarações do ministro do STF Flávio Dino e de deputados de esquerda que questionavam a lisura das urnas, de forma a demonstrar que não era o único a ter dúvidas sobre as eleições.
No início do depoimento, Bolsonaro pediu desculpas a Moraes por acusar a ele e a outros ministros do Supremo de receber milhões de reais para acobertar fraudes nas eleições. O ex-presidente admitiu não ter nenhum fundamento para as declarações.
“Não tenho indício nenhum. Tanto é que não era uma reunião para ser gravada, um desabafo, uma retórica que eu usei. Se fossem outros ocupando, teria falado a mesma coisa, então me desculpe, não tinha essa intenção de acusar de qualquer desvio de conduta dos senhores”.
Bolsonaro foi o sexto réu a ser ouvido na fase de instrução da ação penal que apura uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Ele falou por cerca de duas horas e meia. A sessão teve tom cordial e, por vezes, descontraído entre Bolsonaro, advogados e Moraes.
Pela Constituição, Bolsonaro poderia exercer o direito ao silêncio, mas respondeu a todas as perguntas. No início do depoimento, Moraes reafirmou que Bolsonaro tinha o direito de se expressar livremente sobre os fatos e não tinha compromisso com a verdade, já que o interrogatório é também um momento de autodefesa. O ministro disse ainda que não poderia interferir ou questionar a versão dos fatos dada pelo ex-presidente.
Bolsonaro levou consigo uma cópia da Constituição Federal e diferentes documentos de entidades que questionam a segurança das urnas.