A pedido do vice-presidente Geraldo Alckmin, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior elabora um mapeamento dos setores mais afetados pela guerra comercial deflagrada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A análise elenca medidas que o Brasil poderá adotar, caso a caso, para reagir a uma possível elevação das tarifas pelos norte-americanos.
O levantamento leva em consideração efeitos colaterais que uma reação em um determinado setor pode gerar para outras áreas de exportação e até mesmo para o mercado interno. Paralelamente, o governo quer acelerar o processo de busca de novos mercados como contraponto ao tarifaço global de Trump.

Procurada, a pasta negou que esteja realizando “qualquer levantamento sobre o tema”.
A estratégia dos gabinetes em Brasília que tratam de relações comerciais tem sido a de cautela e silêncio, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse publicamente mais de uma vez que o Brasil reagirá caso Trump imponha tarifas sobre os produtos brasileiros.
“Se ele [Trump] taxar os produtos brasileiros, haverá reciprocidade do Brasil em taxar os produtos que são exportados [ele se referia aos importados] para os Estados Unidos. Simples, não tem nenhuma dificuldade”, disse.
Entre os técnicos ouvidos pela Folha, ninguém duvida que o Brasil poderá virar alvo de Trump em um segundo momento. A ordem agora é não atrair atenção para “não ser lembrado” pelo novo governo dos EUA.
Além de medidas de elevação das tarifas, o relatório preparado pelo time do vice-presidente avalia os instrumentos que o Brasil pode mobilizar para orientar a sua ação, como salvaguardas e suspensão do regime chamado ex-tarifário, que reduz temporariamente o Imposto de Importação para determinados produtos.
No cenário internacional mais adverso, técnicos do governo avaliam ainda que o Brasil também terá de traçar novas estratégias, usar o seu mercado interno para absorver produtos, além de ampliar o diálogo para aprofundar as relações comerciais, políticas e diplomáticas com os países dos Brics, sobretudo China, Rússia e Índia.
Há uma percepção de que Pequim vai buscar o fortalecimento da sua indústria e, ao mesmo tempo, tentar estimular as relações com seu principal parceiro comercial na América Latina.
Com o estudo, o Brasil pretende mensurar de antemão o impacto de medidas de retaliação e de um eventual contra-ataque dos Estados Unidos. A ideia é avaliar, por exemplo, se eventual retaliação pode acabar tendo um custo maior para as empresas brasileiras.
Um técnico reconheceu que fazer o levantamento dessas correlações de forças é um trabalho complexo. Todos os cenários estão sendo avaliados pelo governo.
Um exemplo: com o nível de capacidade instalada da indústria nacional em patamar mais elevado, o Brasil precisa investir em máquinas e equipamentos. Nesse caso, qualquer ação que impeça a entrada de máquinas, equipamentos e insumos dos Estados Unidos pode atrapalhar a indústria nacional.
Os setores de aço, máquinas e equipamentos, carne e combustíveis estão na lista dos que podem ser mais prejudicados. O Brasil exporta petróleo bruto aos EUA e importa petróleo refinado, além de ser muito dependente das empresas americanas de semicondutores.
O ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil, Welber Barral, recomenda prudência. Ele lembra que o Brasil já atuou contra os EUA em 2009 em uma disputa no setor de algodão. “Naquele momento foi muito difícil para o Brasil aplicar a retaliação justamente porque grande parte da importação dos Estados Unidos é importante para a indústria brasileira”, afirma o sócio da consultoria BMJ.
Naquele episódio, o Brasil foi autorizado a retaliar produtos dos EUA de forma cruzada, na área de propriedade intelectual. A medida permitia que o país quebrasse patentes do setor farmacêutico americano, ponto considerado importante para que fosse alcançado um acordo de compensação.